Professora foi vítima de um dos crimes mais comuns e menos notificados do País

Sábado de sol em Curitiba, a Professora Lucimar Rosa Dias pegou sua bolsa, sua ecobag e foi comprar ingredientes pro almoço festivo do filho que agora é universitário e queria comemorar com os amigos.

Feliz pela boa fase na vida privada, lembrava da linda noite anterior, na Câmara Municipal, a cerimônia em que recebeu homenagem pelo Dia da Mulher.

Entrou no mercado, escolheu os produtos, colocou na ecobag, foi pro caixa, despejou na esteira, pagou e colocou de volta na sacola ecológica. Só aceitou sacolinha plástica pros pães do lanche da tarde, que não cabiam na dela.

Voltando pra casa a pé, não havia andado duas quadras quando foi abordada de forma brusca por três homens, dois com o uniforme do mercado de onde saíra. O terceiro, a paisana, a acusou de ter roubado no mercado: um cliente havia avisado e eles “conferiram nas gravações em vídeo”. E exigiam que ela se submetesse a eles, que confessasse que roubou, que voltasse para acertar contas.

Ou eles chamariam a guarda municipal.

Lucimar ficou assustada, nervosa, surpresa, confusa, ficou sem saber se ia pra casa ou voltava ao mercado, se gritava ou corria, se chorava ou xingava. Disse que chamassem a guarda sim.

Mostrou a notinha do mercado, conferiu as compras e pagamentos.

O trio não se contentou, um deles arrancou a nota das mãos dela e enfiou as próprias mãos dentro da ecobag, sem licença ou respeito. Queria saber da caixa de barras de cereais (devidamente registrada e paga, como exibia a nota de compras). Queria saber o que ela roubou. Queria que ela se submetesse. Que se humilhasse. Afinal, se alguém disse que ela roubou e se eles viram nas câmeras…

A professora voltou ao Mercado Rei do Queijo. Voltou para mostrar que comprou e pagou tudo que comprou. Voltou para entender se a acusação era mais do mesmo. Constatou que era. Que sempre é. Não havia vídeo, não havia roubo, não havia nada além do que sempre há desde que ela nasceu: preconceito. Racismo. Discriminação.

A professora chamou racismo de racismo, e ouviu que “não denegrimos ninguém, os donos até são morenos”.

Indignada, ela explicou que “denegrir” é um termo racista. E que não existe “moreno”: ou é branco ou é preto ou é pardo.

Lucimar coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação para as Relações Étnico-Raciais (ErêYá) do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UFPR, que integra o Programa de Pós-Graduação em Educação da linha de pesquisa Diversidade, Diferença e Desigualdade Social em Educação.

São teorias de uma prática cotidiana, que ela não suporta mais. Nenhuma mulher negra suporta mais. Lucimar foi acolhida por clientes do estabelecimento. Algumas mulheres perceberam o que estava havendo e a abraçaram.

Um rapaz filmou e entregou o vídeo a ela. O próprio gerente quando se deu conta do tamanho da violência cometida quis entrar na fila do abraço – que Lucimar educadamente recusou. Uma moça ofereceu carona e foi com o pai levá-la em casa.

A professora chamou suas colegas, que chamaram advogadas voluntárias. Depois de horas de conversa, a decisão foi tomar as medidas legais e denunciar a violência sofrida. Racismo é crime.

Registrado BO na delegacia de Polícia, Lucimar tem um desejo para este 8 de março: respeito pelas mulheres, sobretudo pelas mulheres negras. Que estes episódios se tornem públicos, sejam denunciados, tenham consequência. Até que deixem de existir.

Que ninguém seja julgado ou condenado por estereótipos perpetuados em uma sociedade hipócrita.

Chega de racismo!

Texto: Assessora voluntária de comunicação do CAAD – Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia

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