Mães negras e acadêmicas: a política do cuidado e os dribles essenciais para o cuidar de si

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Ser mulher e negra no Brasil, não é fácil, nós sabemos. Somos as chamadas guerreiras que enfrentam batalhas diárias. Quando conhecemos a maternidade, passamos a nos dividir e também a nos multiplicar. Nossa carga aumenta significativamente. Co-criadoras, geradoras, donas da primeira transmissão oral de nossos filhos e filhas. Não temos horário de chegar ou sair da função de cuidar. A sociedade ocidental colocou sobre nós, mães, uma responsabilidade muito grande, que ao meu ver deveria ser de todas as pessoas. Cuidar das crianças.

 

Neste dia das mães, coloquei-me a tarefa de entrevistar três mulheres negras, mães e acadêmicas, e todas elas desembocaram suas falas na palavra cuidado. Eu perguntei como era ser mãe, negra e acadêmica no século XXI, e todas elas, a professora Neli Rocha, a terapeuta ocupacional Alcione Batista e Iyalorixá Iya Gunã, me relataram a importância do cuidar, mas, do cuidar de si primeiro. Confesso, precisava dessa lição.

 

Iya Gunã, mãe de santo e de mais sete filhos,  me deu uma aula de como cuidar dos outros cuidando de si, com maestria, leveza e sabedoria. A Iyalorixá Doutora em Educação expressou uma sensibilidade ímpar, e a fala dela me fez revisitar um local que há muito eu não visitava, e foi aí que percebi, ela tinha razão, eu estava perdendo as minhas heranças deixadas pelos ancestrais, ao passo que me ocidentalizo todo dia um pouco mais. Adoecendo, perdendo a raiz.

 

“Tem gente que perde sua herança, veja o caso da Francisca do Quilombo Teixeira, a última a se converter a uma religião neopentecostal ali no seu território, por causa de pressão, eles dizem  – Você precisa expiar seus pecados, você está fazendo tudo errado, você está pecando, não pode usar isso, não pode fazer aquilo. E a pessoa acaba cedendo.” 

 

E isso adoece, posso dizer que perder a herança ancestral causa adoecimentos. E para conseguirmos superar os obstáculos da vida, recebi as seguintes instruções da  acadêmica Neli Gomes, doutoranda em educação pela UFPR. “Tenha paciência consigo mesma e pense em cada passo que pretende dar; Seja a graduação, mestrado ou doutorado. Partilhe a ideia com quem de fato você pode contar e tenha disciplina para avançar em conjunto com seu núcleo familiar; A alimentação saudável e autocuidado são indispensáveis diante da pressão e sobrecarga; Anote os planos a curto, médio e longo prazo. Envolver e delegar  tarefas cotidianas (lavar a louça ou cuidar do irmão mais novo por 60min) é um desafio e também uma conquista; Tenha um caderno pessoal para anotar seus planos e metas ainda não possíveis mas que estão no horizonte. Buscar se reconectar com a natureza, alivia o stress e traz bem estar. O plano não deu certo, respire e avalie para sanar as falhas e recomeçar.” 

 

Quando perguntada sobre ser essa representação contemporânea de intelectual  negra, mãe,  professora, e integrante da equipe editorial da revista ABPN, me respondeu da seguinte forma: 

 

“Os desafios são em camadas considerando o entendimento de que temos conquistado espaços em diferentes áreas do campo científico. Da Química à Sociologia o pensamento e as epistemes das mulheres negras têm sido pulsante e crescente. Abraçando as oportunidades e/ou criando caminhos nunca dantes navegados. E aos filhos e filhas o exemplo da perseverança como um pilar. Temos usado as tecnologias a nosso favor e pouco teríamos avançado sem as ancestrais redes de apoios estendidas para além dos vínculos sanguíneos.”

 

Sim. Somos desafiadas constantemente, e como Neli disse, desafiadas em camadas. O primeiro corte é o da cor, depois, o gênero. “Desafiadas como tal”. Disse Alcione Leite, especialista em LIBRAS e doutoranda em Educação pela UFPR. “O tempo todo temos que ser resistentes. O tempo todo me afirmando. Pra mim, ser mãe é um amor sem limites, eu acredito que a maternidade me tornou menos egoísta. Eu tenho dois filhos, e é uma responsabilidade imensa criar dois homens neste mundo. A questão de ser negra traz repercussões em todas as divisões do meu ser. Ser mãe é uma preocupação para qualquer mulher. Mas, eu tenho preocupações de uma mãe negra[…] ser mãe negra, com filhos negros, numa sociedade racista, traz preocupações a mais”. Afirma Alcione.

 

E essa preocupação está associada a diversos fatores, podemos citar alguns deles: racismos institucionais, estigmas, preconceitos, entre outros mecanismos de opressão exercidos numa sociedade racista. Até quando o dia das mães negras irá representar uma preocupação a mais? Até quando teremos de viver esse misto de amor sem limites com as preocupações elevadas à quinta potência por causa da violência exercida contra a juventude negra no Brasil?

 

Não temos essa resposta, ainda. Mas, acredito na força das mães negras brasileiras, somos fruto da mãe Brasil, mãe feita de brasa. Acende mãe, e faz renascer a força ancestral de minh’alma, não me deixe adoecer, mãe.

 

Viva às mães negras brasileiras!

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