A obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana na Educação Básica foi outorgada em 09 de janeiro 2003 pelo o Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Lei Federal 10.639. A aprovação dessa lei faz parte da luta antirracista empreendida pelo movimento negro brasileiro desde fins da década de 1970, como uma estratégia de questionamento do discurso de que no Brasil não havia racismo, como pregava o mito da democracia racial que tinha o intuito de propagar uma identidade nacional mestiça e harmônica.
Dentro de uma perspectiva antirracista, o movimento negro, em especial a partir das últimas décadas do século XX, preocupou-se em elaborar estratégias de valorização da população negra. Um exemplo dessas ações, foi uma campanha intitulada ‘O negro é lindo’ baseada no movimento norte americano ‘black is beautiful’, pela qual o termo negro deixou de ser considerado ofensivo, como acontecia antes, e passou a ser empregado com orgulho pelos ativistas. A campanha também permitiu ressaltar as características estéticas, históricas e socias da população afrodiaspóricas no território nacional. Ações do movimento negro, a partir do final da década 1970, se concentraram em combater a violência policial historicamente vivida por esta população e, para além disso, elaboraram estratégias para combater as desigualdades sociais e péssimas condições de trabalho do homem negro e da mulher negra.
Ainda além das pautas acima, os militantes e intelectuais negros do período reivindicaram políticas públicas que fossem executados no espaço escolar, tais como a inclusão da História da África e da população negra nos currículos e, no decorrer da década 1990, os documentos educacionais como a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, 9394 de 1996 e os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997 atenderam em parte as solicitações do movimento negro. Entretanto, somente em 2003, com a aprovação da Lei 10.639/03, a demanda por políticas educacionais efetivas voltadas para pessoas negras foram sancionadas, com o consequente questionamento das relações assimétricas de poder entre os grupos formadores da identidade nacional.
A aprovação da referida lei impôs uma série de desafios para a formação docente, tais como: pensar as relações de poder que perpassam a organização dos conteúdos no currículo escolar; a necessidade de uma maior atenção aos cursos de formação inicial e continuada que considerasse as relações raciais como um dos mobilizadores da estruturação educacional brasileira; a organização de materiais didáticos-pedagógicas que auxiliassem os docentes na efetivação da Lei em sala de aula e, especialmente, a mudança de paradigmas na mentalidade do/a professor/a ao passar a reconhecer o racismo como um elemento estrutural presente na sociedade do Brasil.
Apesar de reconhecermos os avanços na aplicabilidade do ensino da História e Cultura afro-brasileira e africana nas salas de aula nos últimos dezoitos anos, pesquisas recentes têm demonstrado que, no processo de implementação da referida lei, é possível observar que muitas escolas se orientam, no momento de lecionar os conteúdos programáticos pertinentes à História e Cultura afro-brasileira, por representações estereotipadas do continente africano, bem como da população afro-brasileira, enquanto outras reservam as últimas semanas do mês de novembro para trabalhar com tais conteúdos e, ambas, fomentam e reafirmam representações equivocadas, quando não estereotipadas, da população africana, comportamentos e atitudes que, inversamente ao objetivado, acabam por reforçar ainda mais o racismo em nosso país.