JULHO DAS PRETAS | Esperança Garcia: a primeira advogada do Brasil e símbolo da resistência negra

Julho é um mês de luta, memória e afirmação das mulheres negras latino-americanas e caribenhas. No Brasil, celebramos o legado de muitas que resistiram à escravidão, ao racismo e ao sexismo. É neste contexto que a ABPN inicia o quadro “Julho das Pretas” homenageando uma figura histórica fundamental: Esperança Garcia.

Nascida em 1751, no estado do Piauí, uma região marcada por conflitos fundiários, disputas políticas e pela presença forte da escravidão. Inicialmente, ela viveu no convento dos religiosos jesuítas, de onde foi retirada após a expulsão da ordem, sendo enviada para a fazenda de um capitão-mor.

É nesse novo espaço que sua vida se torna ainda mais dura: afastada do marido e dos filhos, submetida a castigos e maus-tratos, Esperança toma a caneta como instrumento de defesa e justiça — um gesto profundamente subversivo para uma mulher negra escravizada da época.

Esperança, uma mulher negra, escravizada, que marcou a história do Brasil ao reivindicar, por escrito, os seus direitos e os de sua família. O texto surpreende pela fundamentação no direito e pela firmeza com que ela defende a própria dignidade. Esses elementos levaram a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Piauí, a reconhecê-la simbolicamente, em 2017, como a primeira advogada do Brasil.

Trata-se de uma carta datada de 6 de setembro de 1770, endereçada ao então governador da Capitania do Piauí, ela denunciou os maus-tratos que sofria na fazenda de um capitão-mor, além da separação de seus filhos.

Seu ato foi mais que uma denúncia: foi uma forma de resistência e uma afirmação de humanidade em tempos em que pessoas negras escravizadas sequer eram reconhecidas como sujeitos de direitos. A voz de Esperança atravessou os séculos como símbolo da luta por justiça, liberdade e pela vida do povo negro.

A Carta de Esperança Garcia (1770)

“Eu sou uma escrava de Vossa Senhoria, sou casada. Desde que fui para a fazenda do capitão Antônio Vieira de Couto, sofro muito. Ele me bateu muito, dei parte ao padre, e ele me disse que não podia se meter nisso. Ele não me deixa ir à igreja, nem batizar minha filha. Já faz muitos anos que estou na fazenda. Não me deixam viver com meu marido, nos tiraram à força. Meu filho apanhou muito. Por isso escrevo esta carta pedindo que Vossa Senhoria me tire da fazenda e me devolva para a casa de meu dono.”

A carta de Esperança é um documento histórico raro — uma mulher negra, escravizada, letrada, escrevendo diretamente às autoridades coloniais, num tempo em que o silenciamento da população negra era política de Estado.

Legado e memória viva

A história de Esperança Garcia é parte fundamental da luta antirracista no Brasil. Sua carta não é apenas um marco jurídico: é uma expressão da ancestralidade negra em movimento, da inteligência e da resistência que atravessam os séculos.

Reconhecer Esperança é reverenciar a ancestralidade, dar visibilidade à memória das mulheres negras que foram apagadas da história oficial e reafirmar o compromisso com um país mais justo, plural e antirracista.

Neste Julho das Pretas, a ABPN saúda a força de Esperança Garcia e de todas as mulheres negras que, como ela, ousaram escrever, denunciar e lutar. Sua memória nos guia.

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