“O projeto Afrocientista e a Construção de uma Formação Docente Afrocentrada e Antirracista” foi o título do Trabalho de Conclusão de Curso de Tharsila de Jesus Santos Saraiva.
Texto: Nathália Rodrigues
Revisão: Helen S.

Na universidade pública, em meio às tensões do cotidiano e às exigências acadêmicas, sua defesa foi mais do que uma apresentação técnica: foi um ritual de afirmação. A pedagoga Tharsila de Jesus Santos Saraiva, sob orientação da Profa. Dra. Maria do Carmo (UFMA), compartilhou com emoção uma trajetória marcada por resistência, ancestralidade e sonhos coletivos. Tharsila, integrante do Projeto Afrocientista da ABPN, afirmou:
“Meu TCC é mais que uma produção acadêmica. É sobre mim, sobre a minha mãe, minha avó, minha história e tantas outras histórias que foram silenciadas.”
Natural de Pindaré Mirim (MA) e residente em São Luís, Tharsila trilhou uma trajetória desafiadora até a conclusão do curso de Pedagogia. Ela ingressou na universidade em 2020, durante a pandemia, enfrentando o ensino remoto e o distanciamento das vivências acadêmicas.
“Eu já estava até desmotivada de me envolver totalmente dentro da academia por conta dessa lacuna que ficou… até que comecei a procurar um professor para ser meu orientador e encontrei o projeto Afrocientista.”
No projeto, Tharsila encontrou acolhimento, troca e fortalecimento da identidade. As experiências oferecidas – rodas de conversa, visitas a espaços de memória, oficinas e debates – foram fundamentais para seu crescimento pessoal e acadêmico.
“A gente teve rodas de conversa, palestras, visita ao centro histórico de São Luís… Eu tive uma formação muito bacana sobre saberes afrocentrados. Isso tudo eu levei para minha atuação como educadora.”

A convivência com outras pessoas negras pesquisadoras foi um divisor de águas. O contato com intelectuais, artistas e ativistas fortaleceu sua autoimagem e seu desejo de ocupar espaços na universidade e na educação. A estudante destacou a sua participação no XII Congresso Brasileiro de Pesquisadores(as) Negros(as) – COPENE.

“Quando eu fui para o COPENE, eu senti que eu poderia ir muito mais além. Ver um monte de pessoa preta, inteligente, pesquisando… Eu queria levar toda minha família para ver que preto faz ciência, sim!”
A experiência no projeto reverberou diretamente em sua atuação como estagiária e educadora. Tharsila organizou oficinas com crianças, trabalhou temáticas africanas e afro-brasileiras e desenvolveu estratégias de ensino que valorizam a identidade negra.
“As crianças descobriram que eram pretas. Elas não se viam assim. Eu trouxe brincadeiras africanas, histórias com protagonismo negro, e isso fez muita diferença.”

Inicialmente, sua monografia abordaria a visibilidade de cientistas negros e negras. Mas, após tantas vivências no Afrocientista, decidiu escrever uma pesquisa autobiográfica, refletindo sobre sua própria formação como educadora antirracista.
“Eu queria evidenciar a importância desses saberes afrocentrados para a minha prática docente. A formação que tive no projeto transformou minha forma de ensinar.”
Os desafios foram muitos: conciliar trabalho, estágio, escrita e ainda enfrentar problemas com equipamentos. Tharsila precisou da ajuda de amigas, escreveu em bibliotecas, no celular, no trabalho. Ainda assim, não desistiu.
“Tive que pedir ajuda, escrever no celular, pedir para amigas me substituírem no trabalho. Às vezes, a mente saturava. Mas no final, sempre dá certo.”
A rede de apoio – família, amigos, orientadora e colegas do projeto – foi essencial.
“Se você não consegue sozinho, tenha pessoas para te auxiliar. Minha família sempre priorizou os estudos. Minha orientadora sempre dizia: ‘Tu vai conseguir sim’. E eu consegui.”
Sobre a relevância da pesquisa, Tharsila acredita que seu trabalho pode contribuir tanto para o público acadêmico quanto para educadores em formação.
“Eu não encontrei muitos trabalhos sobre o projeto Afrocientista. Então pensei: vou escrever para ampliar esse acervo. Também quero que outros professores se inspirem nas práticas que desenvolvi com minhas crianças.”
Sua expectativa agora é seguir estudando. Planeja fazer uma pós-graduação, mestrado e, futuramente, tornar-se professora universitária.
“Aqui não é o fim, é só o começo. Quero fazer mestrado, talvez Direito também. Quero ocupar espaços. Ainda somos poucos nos bastidores da educação. E eu quero estar ali, fazendo a diferença.”

Ao defender um TCC autobiográfico que une formação docente e educação antirracista, Tharsila não apenas ocupa a universidade: ela a transforma. O que ela constrói hoje ecoará nos passos de futuras gerações de meninas negras que, ao ouvirem seu nome, entenderão que também podem. Que também pertencem. Que também são ciência. É tempo de reescrever a universidade com tinta preta, com memória viva, com afetos e com luta. E histórias como a de Tharsila são a prova viva de que estamos no caminho.
A ABPN se orgulha em acompanhar trajetórias como a de Tharsila Saraiva. Sua vivência mostra como a ciência pode (e deve) ser feita a partir dos corpos, histórias e territórios das pessoas negras. Ao transformar sua própria jornada em objeto de estudo, Tharsila reafirma que a produção de conhecimento precisa estar enraizada na realidade, na cultura e nas urgências do nosso tempo. Sua pesquisa inspira educadores e pesquisadores a repensarem suas práticas, seus referenciais e seus compromissos com a transformação social.