Escrito e publicado por: Nathália Rodrigues
Revisado por: Helen S.

No sul do Brasil, onde as ausências negras em espaços de poder ainda são marcantes, uma jovem mulher negra ergueu sua voz e seu corpo como presença, resistência e proposição. A afrocientista Thainá Rocha Motta, integrante do primeiro núcleo do Projeto Afrocientista no Rio Grande do Sul, defendeu seu Trabalho de Conclusão de Curso no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – campus Viamão. O tema escolhido foi potente e urgente: a evasão de estudantes autodeclarados negros dos cursos superiores e o papel da gestão escolar diante desse fenômeno.

O TCC intitulado “Políticas de permanência e êxito: uma análise da ação da gestão escolar diante da evasão de discentes autodeclarados negros dos cursos superiores do IFRS campus Viamão”, sob orientação da Profª. Drª. Alba Cristina Couto dos Santos Salatino e Profº. Dr. Nilo Alves Barcelos, é resultado de uma inquietação pessoal e profissional de Thainá, que atuou como estudante e também como estagiária no campus.
“Eu comecei a andar pelos corredores e via que os meus colegas negros não estavam mais ali. Fui percebendo que algo estava errado. Por que a gente não permanece?”
Natural de Porto Alegre, Thainá tem 26 anos e se formou em Processos Gerenciais. Sua trajetória acadêmica foi marcada por disciplina, aprovação em todas as disciplinas dentro do prazo e um olhar crítico sobre as desigualdades raciais presentes na educação superior. Participou de projetos de ensino, pesquisa e extensão, estagiou na própria instituição e viu de perto os bastidores da gestão.
“Eu estava dos dois lados da moeda: como aluna e como funcionária. Isso me fez enxergar onde poderiam haver mudanças positivas. Pois muitas vezes as decisões não levam em consideração a perspectiva dos estudantes diretamente impactados por elas.
Seu contato com o Projeto Afrocientista se deu através da professora Alba Salatino, que também a orientou na pesquisa ao lado do professor Nilo. A presença de Alba, uma mulher negra retinta em um campus majoritariamente branco, foi fundamental para a construção da identidade de Thainá.
“Com a Alba, eu aprendi que nunca vou deixar que falem por mim. Ela me mostrou que esse é o meu lugar, que eu estudei para estar aqui. Eu a vejo como espelho, como referência. E pensei: eu também posso ser isso para outras.”
A partir do Projeto Afrocientista, Thainá viveu uma experiência transformadora. Participou de seleções, acompanhou bolsistas da Educação Básica, promoveu oficinas, atividades culturais e desenvolveu uma peça de teatro com estudantes que passaram a se reconhecer como negros.

“Tivemos estudantes pardos que não se identificavam como negros, porque isso nos é negado. Mas no projeto, a gente entendeu que somos negros, sim. E isso mudou tudo.”
“Eu me tornei uma pessoa muito mais forte, muito mais crítica, muito mais consciente da minha identidade e do meu papel. O projeto me deu base, me deu coragem e me deu voz.”
Na pesquisa, Thainá entrevistou dez estudantes autodeclarados negros dos dois cursos superiores do campus. Mapeou os principais fatores de evasão, entre eles: falta de acessibilidade, dificuldades com o transporte, problemas de saúde, responsabilidades familiares e descompasso entre metodologia de ensino e realidade dos alunos. Fez um recorte de 2017 a 2023, buscando um estudante de cada ano que tivesse evadido. Por conta das enchentes que atingiram o estado, as entrevistas foram conduzidas online.
“A pandemia também teve um impacto muito grande, principalmente nos alunos que não tinham estrutura em casa para acompanhar as aulas.”
“Mais do que garantir que estudantes negros entrem na universidade, é preciso garantir que eles permaneçam e tenham sucesso. A evasão não é só um dado, é um sintoma de algo estrutural que precisa ser enfrentado.”
Para ela, é urgente que as políticas de permanência deixem de ser genéricas e passem a considerar as especificidades de estudantes negros, indígenas e outros grupos historicamente marginalizados.
“Não dá para tratar todos como iguais quando a desigualdade está escancarada. A permanência precisa ser pensada a partir das vivências reais de quem mais sofre para se manter na universidade.”
Durante a entrevista à ABPN, Thainá falou com orgulho sobre a visibilidade que o Projeto Afrocientista trouxe à sua trajetória.
“No segundo ano do projeto, a gente explodiu. Os estudantes afrocientistas passaram a ser referências. Os jovens diziam que queriam ser como a gente. Isso não tem preço.”

A peça teatral criada por ela e pelos bolsistas emocionou a comunidade. A arte foi o meio que encontraram para expressar o que aprenderam sobre identidade, negritude e pertencimento.
“Atuei por muitos anos, e a arte sempre foi a forma mais natural e leve de expressar o que sinto. E foi lindo ver os estudantes se reconhecerem e se afirmarem.”
“Foi uma experiência catártica. Teve choro, teve cura. A gente colocou para fora aquilo que guardava há muito tempo.”
Thainá pretende agora ingressar no mestrado em Políticas Públicas. Quer seguir pesquisando, escrevendo e ocupando espaços onde ainda somos minoria.
“Não quero parar. A gente tem que ocupar os espaços , os bastidores da educação. E inspirar outras meninas pretas a também estarem nesses lugares.”
Ela também ressaltou o papel fundamental da ABPN em sua formação.
“A ABPN me deu estrutura. Me fez sentir parte de algo maior. Saber que existia uma rede de pesquisadores negros espalhados pelo Brasil foi essencial para eu entender que eu não estava sozinha.”
Ao final da conversa, emocionada, ela resumiu tudo em uma frase simples e poderosa:
“O Projeto Afrocientista mudou a minha vida.”
A ABPN tem orgulho de contar e celebrar histórias como a de Thainá Rocha Motta. Porque quando uma mulher negra ocupa a universidade com sua própria voz, ela não está sozinha: carrega com ela muitas outras. E o futuro se abre com mais esperança, afeto e possibilidade.