Acesso ao livro como prática antirracista

Conheça o projeto que desde 2018 através do twitter busca facilitar o acesso de livros para pessoas negras

Texto: Helen S. (ASCOM/ABPN)
Revisão: Soraia Bevenuto (ASCOM/ABPN)
Publicado por Yure Gonçalves (ASCOM/ABPN)

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Foto: Reprodução

Criado despretensiosamente em 2018 através de um tweet sobre práticas antirracistas no dia da Consciência Negra, o projeto busca desde então tornar o acesso a livros para pessoas negras uma ação perene.

Inicialmente contava exclusivamente com Winnie intermediando as doações e era referido como “Tinder dos Livros”, mas em 2019, um ano depois de criado, passou a ser nomeado como WinnieTeca e contou com parceria do Twitter e do Geledés Instituto Mulher Negra, tornando o processo automatizado até fevereiro de 2022. 

No seu primeiro ano de existência, viabilizou a doação de mil livros, e, em menos de um ano com automação do processo, este número triplicou e diversas figuras artísticas públicas como Emicida, Teresa Cristina e Maria Rita também incentivaram a proposta.

Como acontecem as doações?
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Foto: Reprodução

Em julho passado, o projeto retornou ao seu modo de operação artesanal, como no início. O processo ocorre da seguinte forma: uma pessoa negra utiliza a DM do twitter @winnieteca informando o título, autoria e editora da obra que deseja obter e de outro lado alguém se voluntaria para comprar este livro. A pessoa que deseja doar, envia uma mensagem disponibilizando a doação de um livro independente do gênero e a Winnie conecta essas duas pessoas possibilitando que uma pessoa negra receba o livro que precisa.

Nesta nova etapa, a ativista segue buscando parcerias para potencializar o projeto e alcançar mais pessoas.

Depoimento:

Helen Silva, estudante de psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, autora de livros de poesia, filiada à Associação Brasileira de Pesquisadores/s Negros/as (ABPN), foi uma das pessoas contempladas pela WinnieTeca, recebendo entre 2019 e 2020 mais de cinco títulos, dentre os quais, Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus; Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, Olhares Negros, de bell hooks e Por um Feminismo Afro-Latino-Americano, de Lélia Gonzalez. “Essas obras contribuíram para a minha formação acadêmica, intelectual e poética, permitindo alcançar lugares como a ABPN, a escrita e publicação do livro Não tenha medo do Sol publicado pela editora Letramento, agora no segundo semestre de 2023”, declara Helen.

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Foto: Acervo pessoal
Cara Winnie, bem-vinda! Para começar, fale da sua relação com os livros na sua infância, adolescência e de onde partiu essa vontade de iniciar esse projeto?

Os livros sempre fizeram parte da minha vida, pois minha avó e minha mãe estimulavam a leitura em nossa casa. A Winnieteca surgiu de um diagnóstico a respeito da dificuldade de acesso que pessoas negras têm à leitura e especialmente aos livros de teoria.

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Foto: Reprodução
Como leitora e também autora de dois livros, qual importância você atribui à valorização das produções de intelectuais negros/as?

A valorização da produção intelectual de pessoas negras é central para a compreensão da sociedade brasileira, não é possível entender o que o Brasil é sem compreender como pensa e como atua a comunidade negra brasileira.

Nos livros “Imagens de Controle: um conceito do pensamento de Patrícia Hill Collins”, e “Por que Você não Acredita em Mim?” percebo que o foco de atenção de ambos é a mulher negra. Correto? De que outras formas você relaciona ambas as obras?

A mulher negra aparece nesses dois livros em lugar protagonista por muitas razões. Quem escreve é uma mulher negra, a partir de teorias e experiências de mulheres negras e pensando especialmente no público feminimo negro. Essas obras se relacionam a partir do próprio conceito de imagens de controle. Por que você não acredita em mim? é a versão vivida do Imagens de Controle.

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Foto: Reprodução
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Foto: Reprodução
Na sua trajetória é possível identificar sua relação com a ABPN, com o Geledés - Instituto da Mulher Negra e também com o Twitter. Como você descreveria a sua relação com cada um e qual a relevância que tiveram na sua história?

São relações bem diferentes. Minha relação com a ABPN é inclusive menos profunda do que eu gostaria, no que pese a Associação ter sido central para eu investir na minha trajetória enquanto uma acadêmica negra.  Tive a oportunidade de participar enquanto monitora, ainda na graduação, do COPENE 2012 e ali eu compreendi que pesquisadora eu gostaria de ser e que lógicas acadêmicas faziam sentido para mim e quais deveriam ser rechaçadas.  Minha relação com Geledés é muito especial. Geledés é uma organização muito especial para mim. Especial por ter sido uma das primeiras organizações do movimento de mulheres negras que reconheceu minha potencialidade e me acolheu. Eu tenho uma relação política afetiva com Geledés e com Criola que é muito única. Construída e estabelecida por uma construção cotidiana de respeitabilidade mútua e profundo amor. A minha relação com o Twitter é de outra ordem e com significados distintos. Uma coisa é o Twitter enquanto uma plataforma de comunicação onde eu consegui me projetar nacionalmente, outra é minha relação com a empresa Twitter, uma relação que já existiu mas que hoje, após as mudanças ocorridas pela compra da rede por Elon Musk, não existe mais.

Para além das publicações literárias, que outras produções acadêmicas você tem publicado em revistas ou congressos como o COPENE?

Tenho artigos publicados em revistas acadêmicas do campo do Direito, da Comunicação e da Sociologia. Também participei de diversos congressos e eventos acadêmicos pelo país nas mesmas áreas.

Atualmente, qual o número de pessoas contempladas pela WinnieTeca?

O número de pessoas contempladas pela Winnieteca até o presente momento ultrapassa 3 mil pessoas.

Avaliando o que foi o início da WinnieTeca e no que ela se tornou, o quanto você está realizada com esse projeto?

O projeto ainda está muito longe de realizar seu objetivo principal e ainda há muito trabalho a ser desenvolvido para chegar onde eu imagino que deva estar. Eu sou uma pessoa altamente inquieta que demora muito tempo para ficar realizada com algo, um projeto de democratização de leitura só chega perto da sua realização quando ele se torna uma ferramenta indiscutível para tal objetivo. Nós ainda estamos engatinhando nesse sentido.

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Foto: Reprodução
O projeto funciona, desde o início, exclusivamente no twitter. Você considera expandir a WinnieTeca para outras plataformas? O que seria necessário para que isso acontecesse?

Desde o início eu penso em desenvolver um aplicativo próprio e independente para o projeto. Infelizmente não temos investimento suficiente para isso ainda.

As redes sociais têm sido as principais ferramentas de divulgação da WinnieTeca, que tem contado com a contribuição de figuras públicas importantes e influenciadores digitais para a ampliação do alcance do projeto. De que modo, essas adesões têm sido relevantes ao projeto?

Foram fundamentais para a disseminação e popularização do projeto, fazendo com que mais pessoas doassem. O engajamento público é central em projetos como esse.

Ainda que este não seja o principal objetivo, você consegue hoje dizer se a maioria dos pedidos são de livros de autorias negras?

O objetivo da Winnieteca sempre foi sim repercutir a produção intelectual de pessoas negras e isso é o que mais realizamos em termos dos objetivos traçados. Os livros mais pedidos sempre foram de autoria negra, sobretudo, feminina.

Por fim, que mensagem você deixa às pessoas que gostariam de contribuir com o retorno da WinnieTeca ou que estão aguardando por isso?

Estamos reformulando o projeto, voltando aos poucos e disponíveis a receber todo o tipo de ajuda para seguir auxiliando na democratização do acesso à leitura. Toda e qualquer contribuição e ideia vem muito bem nesse momento de reestruturação.

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Foto: Reprodução
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Foto: Reprodução
Quem é Winnie Bueno?

Mulher negra gaúcha, formada em Direito pela (UFPEL/RS); Mestre em Direito pela Universidade do Vale Rio dos Sinos (Unisinos/RS) e Doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Winnie pesquisa os processos de construção de conhecimento a partir do ativismo de mulheres negras brasileiras e de referências como  Sueli Carneiro, Jurema Werneck, Cida Bento, Vilma Piedade e Conceição Evaristo. Ela também atua como consultora, além de ser pesquisadora especializada em diversidade e inclusão e colaborar como colunista para a Revista Gama e para o Projeto Colabora

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