ABPN e CONNEABS Repudiam a Chacina no Rio de Janeiro e Denunciam a Política de Extermínio do Povo Negro

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Nós, a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) e o Consórcio Nacional dos Neabs, Neabis e Grupos Correlatos (CONNEABS), manifestamos nosso profundo repúdio à operação policial realizada em 28 de outubro de 2025, nos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro — um episódio que resultou em centenas de mortes, configurando-se como uma chacina.

A operação mobilizou cerca de 2.500 agentes do Estado e transformou comunidades inteiras em zonas de guerra. Moradores relataram tiros indiscriminados, invasões de casas, corpos abandonados em matas e a interrupção de serviços essenciais, evidenciando graves violações dos direitos humanos e dos direitos fundamentais expressos na Constituição Federal de 1988.

Sob o discurso da “guerra ao crime”, vidas de pessoas pobres e negras foram novamente tratadas como alvos legítimos de uma política de extermínio.

Como aponta o filósofo Achille Mbembe, a necropolítica é o exercício do poder de decidir quem pode viver e quem deve morrer. Essa lógica está evidente nas ações do Estado brasileiro quando ele transforma favelas em zonas de exceção, onde corpos negros e periféricos se tornam descartáveis.

A operação foi planejada e executada como espetáculo de força, em que a letalidade é apresentada como sucesso e a morte como espetáculo. Assim, o Estado deixa de proteger e passa a governar pela morte — uma expressão concreta do que Mbembe descreve como soberania necropolítica.

A chacina revela a falência do Estado Democrático de Direito: viola princípios de proporcionalidade, responsabilidade e, principalmente, o direito à vida, normalizando práticas letais e convertendo a segurança pública em instrumento político. O governo que tem como política premiar a morte de cidadãos em nome da “ordem” assume, de fato, uma política de destruição.

Arjun Appadurai explica que a violência moderna se sustenta na construção de fronteiras: o “nós” contra “eles”. Nas favelas, o Estado cria o “inimigo interno” — o morador pobre e negro — para justificar a guerra. Essa geografia da ira transforma comunidades em campos de batalha simbólicos e reais, onde a morte é um meio de produzir pertencimento e poder.

Nesses termos, quando o medo e a insegurança são usados para governar, o Estado deixa de ser protetor e passa a ser predador.

ABPN CONNEABS

Ontem, 31 de outubro de 2025, o CONNEABS nacional, representado pela coordenação nacional, juntamente  com membros do Neab UnB  e Geppherg FE/UnB, representou-nos em um ato público contra a violência ostensiva policial e em defesa das vidas negras. O ato, que reuniu diversas pessoas sob o tema “Chega de Chacina”, reafirmou que o que ocorreu no Rio de Janeiro não foi uma operação, mas uma chacina perpetrada por um Estado genocida, planejada para provocar a morte e utilizada como instrumento político, eleitoral e dispositivo de opressão e repressão.

Assim, vimos exigir políticas que se comprometam com a vida e a dignidade das pessoas residentes em zonas periféricas, garantindo acesso à saúde, educação, cultura, esporte e lazer.
É inadmissível que sigamos assistindo a este circo de horrores.

Reivindicamos:

  • O afastamento do governador Cláudio Castro de suas funções, para fins de investigação sobre o caso;
  • Investigação imediata e independente sobre a operação, com identificação das vítimas e responsabilização dos agentes envolvidos;
  • Fim das políticas de gratificação por letalidade policial e revisão completa da doutrina de segurança pública baseada em confronto;
  • Plano de reparação para as famílias e comunidades atingidas, com atendimento médico, psicológico e jurídico;
  • Abandono da lógica de guerra às favelas e investimento em educação, saúde e infraestrutura, bases reais de qualquer política de segurança;
  • Monitoramento permanente da letalidade policial e compromisso público do Estado com a preservação da vida, por meio de investimentos em inteligência na segurança pública.

A chacina no Rio de Janeiro não é um caso isolado — é parte de uma política sistemática de morte dirigida contra os corpos negros e pobres, que se repete em todo o Brasil. Como alerta Mbembe, quando o Estado transforma a morte em forma de governo, ele deixa de ser soberano sobre a vida. E, como aponta Appadurai, quando a sociedade aceita que alguns corpos sejam matáveis, a democracia inteira entra em colapso.

Reafirmamos nosso compromisso com a vida, a dignidade e a justiça social. O Brasil não precisa de mais guerra — precisa de humanidade.

ABPN – Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as
CONNEABS – Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABIS) e Grupos Correlatos

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